Ouricuri: terra acolhedora
O sol se ponha quando chegamos em Ouricuri. Sabíamos que iríamos ficar na casa de Vera, amiga e ex companheira de trabalho de Gus. Mas como ela estava viajando, foi Gesia (amiga de Vera e vizinha) quem nos recebeu e abriu as portas da casa.
O domingo foi dia de conhecer o sítio do irmão de Adevania. Churrasco, munguzá salgado, vinho, e mousse foram algumas das saborosas comidas que experimentamos. De volta a cidade, aproveitamos para avançar nos vídeos da aldeia Truká.
Durante nossa estadia, várias eram as possibilidades para realizar oficinas. O grupo de mulheres Jurema, o Fórum de Mulheres do Araripe, a ONG Caatinga, eram algumas das possibilidades. Também nesses dias acontecia o Circuito Juvenil de Poesia, que poderia ser mais um espaço para nossas oficinas de tecido acrobático e serigrafia.
Segunda-feira pela tarde visitamos a sede da ONG Caatinga onde Jane e Lana nos receberam para conversar sobre a viagem e as oficinas juntamente com Vera e Adevania. Aí marcamos alguns momentos: oficina de serigrafia com as mulheres do Jurema e com Caatinga, e duas oficinas de tecido, uma no povoado Passagem de Pedras e a outra na Lagoa do Urubú, com as juremas.
À noite, participamos da abertura do Circuito Juvenil de Poesia, que em sua quarta edição homenageou o sanfoneiro Vital Barbosa. Foi um momento bonito de celebrar a vida e a carreira de um artista local enquanto vivo, e de fortalecer a cultura sertaneja de raiz. Nos lembramos de nosso sanfoneiro-marceneiro-caminhoneiro mais querido, Almir Ferreira (padrasto de Magú), e da nossa amada cantora e compositora Ana Luiza (mãe de Magú).
Oficina de serigrafia
Terça-feira pela noite nos encontramos na Associação das Agentes Comunitárias de Saúde. Éramos umas 10 pessoas. Conversamos um pouco sobre nossa viagem e apresentamos a proposta da oficina, e o que iria a ser feito nos dois momentos.
Divididas em dois grupos, as mulheres fizeram desenhos que chegaram a um ponto comum: uma árvore que representa a Jurema. O tempo parecia curto demais pra tanta idéia e produção, então marcamos um novo encontro para quarta-feira. Nesse mesmo dia, durante a noite, conseguimos grampear o tecido no quadro. Na quarta, juntamos os dois desenhos em um só e pintamos com cola dando o formato final a arte.Várias mãos trabalhando facilitaram a tarefa.
Tivemos um terceiro encontro na sexta-feira a noite. A matriz estava linda: Uma árvore mulher guiada pela fases da lua, e na sua raiz estavam escritos os princípios do grupo Jurema. Houve surpresa e entusiamo, tão assim que as mulheres pintaram camisas próprias e também para vender.
Neste terceiro dia de oficina, ficou mais nítido para nós a personalidade forte, independente e acolhedora das mulheres ali presentes. O grupo Jurema brilha radiante no meio de Ouricuri. São pessoas ativas dentro de seu território, que falam e se movimentam com muito pertencimento, coragem e alegria. A sala da casa de Vera era inundada pela força do feminino, e muitos risos, sorrisos e abraços.
Depois de muito imprimir camisas, ganhamos uma despedida com gostinho de pizza e bolo, e em seguida conseguimos fazer uma pequena avaliação em grupo sobre a oficina. O retorno positivo e incentivador nos motivou ainda mais para as futuras oficinas.
O Mundo de cabeça pra baixo I
Fomos até Passagem de Pedras para realizar a oficina de tecido acrobático e autocuidados, acompanhando o Circuito de Poesia. O povoado fica a uns 47 kilómetros de Ouricuri, na zona rural, sertão adentro, bem adentro. A carona foi através da ONG Caatinga, que é uma das instituções realizadoras do Circuito.
Uma turma de crianças e adolescentes da escola esperava pelos poetas, e algumas mães esperavam por Magú. Como a escola não tem estabelecimento próprio, a prefeitura aluga casas que servem como aulas e cumprem funções administrativas. Foi numa casinha alugada, onde funciona a secretaria da escola, que penduramos o tecido. No começo, a vergonha inicial: nenhuma das mulheres queria se pendurar. Depois de muito demonstrar, Magú conseguiu cativa-las e uma se animou; depois outra, e mais outras. Foi a primeira experiência para cada uma delas. Conseguiram superar os medos e dedicar um pouco de tempo para se olhar e refletir sobre os cuidados que acabam deixando de lado com a tripla jornada que são seus dias.
O Mundo de cabeça pra baixo II
Também acompanhando o Circuito de Poesia, escolhemos realizar a última oficina na sede rural da ONG Caatinga. Seis integrantes do grupo Jurema participaram dessa vivência de auto cuidado. Em roda, cada uma contou como estava se sintindo no momento, e logo em seguida foi o alongamento. O primeiro contato com o tecido foi de virar de cabeça para baixo, a chamada “Inversão”. Para algumas foi voltar a ser criança, para outras foi desafiar uma limitação mental. Todas realizaram os movimentos no tecido que ajudavam a destravar tensões na região do quadril e da lombar.
A energia das Juremas vibrava em alta frequência cada vez que riam, davam suporte e incentivavam a outra. Houveram duas dinâmicas no final da oficina: a de ‘olhos vendados’ no tecido; e a de ‘cuidados e não cuidados’. Nesta segunda dinâmica, em roda, cada uma escreveu no papel o que costumam fazer no dia-a-dia que consideram um cuidado com seu corpo (físico, mental e espiritual), e o que fazem que é um não-cuidado. Foi um momento de auto avaliação e de compartilhar um pouco sobre suas vidas e sentimentos.
Até Gustavo, no final da vivência, deu um show de flexibilidade e ousadia no tecido acrobático. Saímos do espaço da Caatinga leves e com sorriso no rosto. Como disse Adevânia: “Se for pra criar rugas, que seja sorrindo!”
Antes de partir para Exú, no sábado, participamos do programa de rádio Mulheres do Sertão, que é uma realização conjunta do Centro Nordestino de Medicina Popular e o grupo de Mulheres Jurema. Vera e Gesia apresentaram o programa sobre o mês da visibilidade lésbica e no final, tivemos um pouquinho de tempo para falar de nosso projeto de viagem.
Iniciando nosso trajeto pelo sertão do Araripe, Ouricuri esquentou nossos corações com as belas paisagens e pessoas acolhedoras, e também muitas reflexões sobre o modo de se viver no semi árido.
Até mais ver, Ouricurii!