Ilha de Assunção: reinam as Mulheres Trukás
Atravessando a ponte que divide a cidade do território indígena, mais uma vez avistamos o Rio São Francisco. É que a aldeia do povo Truká, em Cabrobó, fica numa ilha de 24km de extensão, banhada por dois braços do rio velho chico, que hoje se chamam “Rio Pequeno” e “Rio Grande”.
Adentrando nas terras truká o que se via era uma imensidão de plantação de bananas e coco verde. Ficamos impressionados com a quantidade de produção em apenas dois tipos de frutas.
Fomos recebidos por dona Zenilda (moradora da aldeia jibóia), que de pronto nos instalou no CRAS Indígena (centro de referencia de assistencia social indígena). Foi no Cras que conhecemos Alrineide, e foi lá que recebemos apoio de alimentação, água, banheiro, energia e o próprio espaço para realizar a oficina de serigrafia.
Jantamos uma comida deliciosa feita por Alrineide, que trabalha como cozinheira da instituição, e conversamos bastante sobre a aldeia e a ilha.
No nosso segundo dia, tudo muito tranquilo. Aproveitamos para trabalhar nos materiais de registro do projeto e conversar sobre a história do território e do povo truká com Simone, assistente social do Cras, nascida e criada na aldeia.
As pessoas na vila estavam mobilizadas para o Novenário da Nossa Senhora Rainha dos Anjos, padroeira do povo truká.
No dia da festa da padroeira, acordamos e tomamos café em Margarita. Depois fomos visitar dona Ana. Ela nos contou sobre sua vida com seu ex marido, na época alcoolatra, das violências físicas e psicológicas que sofreu com ele, e de como perdeu tudo depois que resolveu se separar. Se reergueu e reformulou sua forma de viver, e até de plantar. Ana sempre trabalhou por conta pŕopria; quando produzia seus alimentos com veneno teve sérios problemas de saúde por conta dos agrotóxicos. Hoje tudo que dona Ana planta é livre de veneno. Também mudou sua forma de se alimentar e incluiu um espaço nos seus dias para fazer suas caminhadas.
Ficamos com todos aqueles relatos circulando nas nossas mentes.
Após almoçar, fomos convidados por Maria Clara (15 anos) e Caique (12) a tomar um banho no Rio Grande. O caminho todo foi guiado pelo jovem Caique. Andamos um pouco muito até chegar no rio. A clareza, transparencia das águas, as rochas coloridas e o sol alaranjado fez daquele cenário um momento único em nossas vidas. O menino peixe nos guiava entre as águas até o outro lado da correnteza. Nos fazia pular e se deixar levar pela correnteza até um ponto seguro e nadar contra ela.
A sensação de adrenalina e aventura tomava conta de Caique, Maria Clara e Gus, que tiveram coragem de se atirar em meio a correnteza. Pra completar a beleza desse passeio, voltando pra vila, o menino Caique teve a grande idéia: uma pausa no meio do caminho pra uma água de coco.
As noites em que estávamos na ilha eram reservadas para as missas da Novena.
Acordamos bem cedinho para buscar madeira na mata do Rio Grande e fazer o quadro serigráfico da oficina. Depois de fazer o quadro, tomar um café da manhã delicioso, Alrineide sentou-se mais nós dois e conversa vai, conversa vem, começa a falar de como já havia sofrido na vida mais jovem, nos fazendo regressar ao dia anterior em que sua mãe contestava a mesma sina.
Alrineide em sua primeira gravidez teve que passar pela solidão, e durante toda gravidez nunca deixou de trabalhar na roça, carregando sacos pesadíssimos de arroz na cabeça. Muita história de violência para chegar até a mulher experiente, forte e sábia de hoje.
Nesse mesmo dia fomos de bike conhecer a aldeia Jibóia, onde mora dona Zenilda e o Rio Pequeno que se avista de dentro do seu terreiro.
É difícil você não ver uma plantação de banana e coco percorrendo as terras Truká, mas quando chegamos na casa de dona Nida vimos uma diversidade de árvores fruteiras: limão galego, graviola, pinha, cajú, cacau, mangueiras e tantos outros.
Em meio a uma conversa extrovertida, como dona Nida, começamos a falar sobre a aldeia como um todo, e como ela se sentia vivendo ali. Voltamos num piscar de olhos ao mesmo assunto: Violência doméstica.
Nida nos conta que gostaria que a venda da bebida alcóolica fosse proibida na aldeia, por casos graves de alcoolismo (mais por parte dos homens), e com isso contribuir pra violência, abandono e problemas psicológicos das pessoas. Que já viveram tempos piores de violência entre eles e que hoje algumas mulheres já não deixam mais nenhum homem a agredirem.
Depois de escutar silenciosamente de forma acolhedora o terceiro relato de uma vida de sofrimento e superação, em tão pouco tempo, nossa querida Nida nos levou para tomar um banho no Rio Pequeno. O pensamento latejando nas nossas cabeças de que precisávamos trazer a tona este assunto.
Sabíamos que não era por acaso que em 2 dias seguidos em que saimos a conversar de verdade com as mulheres da aldeia, apareceram relatos de violência contra mulher. Por isso, no dia da oficina de serigrafia tentamos de uma forma mais simples mexer nesse assunto. Como tinhamos pouco tempo para realizar a oficina no Cras, e estava sendo direcionada a crianças e jovens, sendo meninos e meninas, não havia como puxar uma roda de conversa sobre a temática, mas deixamos uma semente provocativa: uma homenagem as mulheres truká!
Falamos um pouco sobre os históricos de violência de gênero dentro da aldeia, e que, mesmo se sustentando até os dias atuais, as mulheres ganharam muita força e empoderamento devido as suas resistências e autonomia financeira (Depois da última retomada, várias mulheres conseguiram uma casa e terreno pra plantar).
Após nossa fala, as crianças e jovens montaram a matriz serigráfica e colocaram a frase “Guerreiras Truká” e um símbolo que representa e unifica seu povo, o Pujá.
Assim se deu nossa despedida da aldeia Truká, na ilha de assunção: Com meninas e meninos de 10 a 15 anos de idade participando da oficina, montando a tela, escolhendo e elaborando a arte e imprimindo cartazes.
O pensar e o fazer coletivo se fez presente, respeitando a identidade do povo Truká, e vislumbrando uma vida de paz e igualdade para as mulheres.