A força dos Fulni-ôs
A cidade e a aldeia Fulni-ô estão muito perto uma de outra. Foi com nossos dias na aldeia, compartilhando vários momentos, que entedemos mais a fundo essa situação. Águas Belas está sobre território indígena, a cidade não deveria existir, só aldeia, mas a colonização foi (e é) tão forte que teve o poder de intervir e se fixar no meio da aldeia, afastando cada vez mais os indígenas.
Chegamos na aldeia Fulni-ô na terça-feira 31. Dispostos a ficar uns cinco dias, não tínhamos nem ideia do que íriamos encontrar. Bruno e sua família foram os/as primeiros/as em abrir as portas de sua casa. Almoço, sorrisos e piadas pela presença de um argentino, coloriram nossa chegada.
Ainda no mesmo dia, fomos para a casa de Dona Ita e Seu Mauro. Como os costumes e regras de convivencias dos fulni-ôs não permitem que compartilhem o mesmo teto com os não índios, Margarita ficou estacionada num amplo quintal onde dormimos. Após tirar um cochilo, uma galerona nos esperava para uma roda de conversa inicial. Contamos um pouco do projeto Provocação Ambulante e a partir daí marcamos a oficina de serigrafia.
Desde o momento em que chegamos, tanto na casa de Neide (mãe de Bruno), quanto na casa de Ita, escutavamos o iatê. Nessa roda de conversa, a necessidade de preservar a língua como algo maior que os identifica, ficou bastante claro.
A oficina de serigrafia abriu ideias para poder resgatar e cuidar de algumas palavras que estão se perdendo. Os jovens se debruçaram sobre a técnica de serigrafia artesanal que deu finalidade a uma estampa de camisa que reinvidica a identidade Fulni-ô.
O tecido acrobático fez que crianças, jovens e mais velhos se animassem a mexer o corpo. Desde que o tecido foi pendurado, foi a sensação para quem visitava o quintal de Dona Ita.
Enquanto algumas crianças se divertiam no tecido e outras jogavam bola, as mãos de Ribeiro movimentavam o facão e a faca para ir dando forma a um pedaço de galho e transformâ-lo num arco. Ribeiro é um dos artesãos da aldeia que nos mostrou parte de sua arte. A venda de artesanato é uma das formas de sobrevivência.
Segundo Dona Ita fomos as primeiras pessoas não indígenas que levou conhecimento e se dedicou a compartilhar saberes. Mas também levamos em nossa bagagem de aprendizados o sentimento de pertencimento do povo Fulni-ô e toda sua garra e alegria.
A troca de sementes aconteceu na sexta-feira, com Seu Mauro, que cuida de seu roçado com muita dedicação e carinho. As chuvas deste ano contribuiram para renovar a vida da vegetação, que após vários anos de seca, sofreu muito e até morreu.
No ar, a aldeia vive a preparação para o ritual de Ouricuri. Durante três meses, todo o povo Fulni-ô vá de retiro para a mata, num lugar desconhecido para os não pertencentes a aldeia. Não se fala do que acontece lá em Ouricuri, nem da religião que eles praticam. Estes segredos tem a ver com a preservação e reprodução da cultura, espiritualidade e identidade Fulni-ô.
Foram cinco dias largos e intensos onde recebemos muito afeto e carinho de toda a família de Dona Ita e de outras pessoas da aldeia. Vinte netos correndo de um lado para outro, brincando de esconde-esconde e elástico, cantando e dançando Cafurna: a vida da casa de vovó Ita. Criamos um laço muito forte; no final das contas, ganhamos uma família.