Encantos da aldeia Xukuru
Passamos cinco dias na Aldeia Xukuru da Serra do Ororubá, em Pesqueira. Fomos recebidos por Iran e Bela, do grupo Jupago Kreká.
Após escutar um pouco sobre as atividades e ações que são desenvolvidas no território, caminhamos até a horta mais diversa que já vimos em toda nossa vida. Segundo Iran, ali é o Banco de Sementes Viva.
A terra arenosa que antes dava lugar ao gado, hoje pulsa vida constante com as raízes das PANCs (plantas alimentares não convencionais), hortaliças, plantas medicinais, em seu entorno fruteiras, nativas e grãos, muitos grãos. Tudo é produzido com muita intuição e conhecimento ancestral. Segundo o povo Xukuru, nada é feito sem consultar aos Encantados.
Em seguida visitamos as instalações da Casa das Sementes, que está no processo de finalização. Espaço multiuso, para rituais, formação, venda de artesanatos, biblioteca, gestão e administração, além de cozinha e dormitórios.
A editora Folha Seca é uma das ideias a ser desenvolvidas. A editora é uma forma de sistematizar os saberes dos mais velhos e as novas idéias que surgem nos mais jovens.
Aí foi que nossa visita deu certo. Fazermos juntos uma oficina de serigrafia artesanal para eles/as produzirem, no futuro cercano, suas próprias estampas para a editora Folha Seca.
Terça-feira pela manhã nos encontramos na casa de Iran, onde estevemos hospedados, para comerçarmos nossa oficina de serigrafia. Aprendimos quais são os elementos necessários para poder criar nossas próprias estampas e como esticar o tecido sobre o quadro para criar a matriz. Depois, escolhemos o desenho que iria a ficar na matriz, que foi a expressão JUPAGO KREKA- que significa “batida na cabeça”. O jupago é um instrumento em formato de cajado feito do tronco de uma árvore que os Xukurus usam para marcar a batida do Toré, dança religiosa coletiva que é realizada em círculo. O jupago também já foi utilizado como instrumento de defesa, em tempos de perseguição indigena.
Nesse primeiro dia, começamos a pintar a matriz com cola, tampando tudo o que não aparece na impressão. Estiveram presentes: Vitória, Mirelle, Mariana, Milena, Bela, Iran, João Marcos e Pedro. Após a primeira demão de cola, fomos aprender a costurar.
Já tínhamos cortado um tecido para fazer uma bolsa de feira. Magú mostrou para as meninas como passar a linha até a agulha da máquina. Bela foi a primeira a se animar a botar a mão na massa. Mirelle anotava detalhadamente as medidas dos cortes e as dicas sobre costura, enquanto Vitória fazia as dobras do tecido e montava a futura bolsa. Bela finalizou a primeira bolsa.
Pela tarde, demos mais duas demãos de cola na tela para que não ficasse nenhum buraquinho.
Quarta foi dia de feira. Acordamos bem cedo para ir junto com Bela, Cris e Iran para a feira de Pesqueira, onde os Xukurus tem um lugar só para eles/as para comercializar seus alimentos sem venenos nem agrotóxicos. Macaxeira, batata doce, goiaba, banana, alface, couve, ovos, cenoura, goma e farinha de mandioca, jerimum, coentro, salsa, cebolinha, queijo são alguns dos alimentos que os Xukurus oferecem à população de Pesqueira.
Depois de voltar da feira, imprimimos nossas primeiras blusas. Foi um momento mágico. A matriz da forma e vida a um desenho que pouco se aprecia até ser impresso. Cada um/a imprimiu sua blusa, de diversas cores e tamanhos; até houve farda escolar que levou a marca do Jupago Kreká. Iran, Mirelle e Vitória costuraram a primeira bolsa da editora Folha Seca. As duas bolsas foram pintadas! Alegria, euforia, estímulo e autoestima elevada preenchiam a sala da casa de Iran.
Após finalizar a oficina, ajudamos Bela e Iran a tratar e armazenar os alimentos coletados durante o fim da feira, para reautilizar na aldeia.
De tarde, com os pirraias João Marcos (7 anos) e Pedro (6) pintamos com tinta de urucum uns estojos feitos especialmente para eles. Cada um colocou sua marca pessoal!
Quinta-feira foi dia de trabalho para nós, costuramos e pintamos uns estojos, além de trabalhar no audio do sítio Ágatha e de descarregar as fotos. Pela tarde chegou Iran e nos suprendeu com a notícia de que tinha comprado os elementos necessários para a serigrafia, até para nos repor o quadro e o voil. Foi uma ótima notícia.
Sexta-feira visitamos o terreiro. Território que esteve em disputa, agora pertence aos Encantados e seus rituais. A espiritualidade não tem só a ver com o momento ritual, senão também com como lemos a natureza e conseguimos interpretá-la. A fé e os encantados guiam o povo Xukuru.
O povo está conformado por 24 aldeias, com mais de 11mil moradores no território de 27mil hectares. As terras já foram homologadas durante o governo de Lula. Cacique Xicão, assassinado em 98, foi uma das grandes lideranças que contribui para o resgate da identidade Xukuru, e em consequência, a posse da terra.
No território, existe a disputa entre a utilização do espaço para o gado ou para uma forma diferente de agricultura, baseada no Bem viver e a espiritualidade Xukuru.
A modo de despedida, almoçamos com alguns moradores da aldeia Couro Dantas uma gostosa comida feita com amor e carinho por Magú. Também tivemos tempo de partilhar algumas sementes.
Entendemos que compartilhar o alimento e sementes é uma forma de celebrar a vida com pessoas queridas.
Aprendemos que para além de ter a terra, precisamos ter outro vínculo com toda a natureza: de cuidado, compreensão, integração.
Levamos conosco a sabedoria dos encantados a partir do povo Xukuru.
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